quinta-feira, maio 19, 2005

Referências de cada um

A Memória Imóvel

Entre os que adoram e os que odeiam sua música, um verso dos Tribalistas vai se fazendo ícone gramatical de um modelo de comportamento. O "sou de todo mundo e todo mundo é meu também" é o grito atual de guerra e de liberdade sexual e amorosa, se é que podemos falar de amor quando todo mundo é de todo mundo e ninguém é de ninguém. Mais que um jogo de palavras, as entrelinhas, o rito contido nos versos, desnudam a falência do compromisso, das parcerias em comunhão, do sal e do sagrado nos encontros tecidos ao acaso. O amor acabou, ou pelo menos é isso que querem nos fazer crer, afinal o corpo tornou-se um espaço de compartilhamento, sem compromisso, um acampamento de sem terras na alma do outro e o tema sequer é recomendado ao oficio dos poetas, prestando-se apenas à pobre ocupação dos cronistas dominicais.

Como acontece com todos nós que passamos a envelhecer com o dobro da rapidez de antigamente, cheguei atrasado nesta revolução tribal e "para sempre" me parecia uma ilusão amorosa cabível em todas as bulas, ainda que a serpente e o paraíso, tenham nascidos ao mesmo tempo.

Contrário ao inevitável, embora a nação tribalista torne equivalentes os toques, as peles, a sensação de re-encontro e completude de si mesmo no ter o outro, ainda acho que só um(a), único(a), pode completar a tradução final de todos seus ensaios e de todos os sinais que decifram sua linguagem, a sua alma de dia chuvoso.

Porque é assim. Contra todas as probabilidades e as variações de sua fome, e, às vezes, contra todas as recomendações técnicas de suas razões e de suas possibilidades, você, "de repente, não mais que de repente", por uma canção, um olhar, uma dança, um som de violino enfeitiçado, se perde, se deixa domar enlouquecida e indefesa, por aquele homem. Dure cinco dias ou anos. Você encontra seu caminho e sabe que nunca mais vai poder voltar. Ou pelo menos, não inteira. Sabe que suas pegadas sobre o vento, não deixam marcas visíveis ao retorno, que não há fios de Ariadne a conduzir sua salvação. Você, ao contrário dos outros náufragos, não poderá ser resgatada. E quando rasga a roupa e os limites e prova, enfim, o seu canto de mulher, descobre a especiaria que é viver. No alumbramento de loba indefesa, quer apenas ficar, na armadilha e, mesmo sabendo que tudo é renúncia, conjuga senzalas e senhores e não será mais de ninguém, sem ser dele.

Mesmo que parta, ainda que andeje por todos os lugares, sabe que será aquele seu mestre de cerimônias, sua referência emocional, e, mesmo sendo tribalmente de todos, ou de um, será em todos, ou em um, ele também. É a condenação e a glória da paixão. Abandono e perenidade. Silêncio e máscara. Letra, música e lágrimas-língua. Lua e notas, poemas e a luta incessante de preten-ser e perten-ser. Como nódoa, você não se desvencilhará deste segredo da memória, dos nós, dos dois, porque como sabem a ciência e a filosofia de bar, quem se reparte, só o faz a partir dos seus domínios anteriores, já, todos, possuídos.

Você, se já provou do veneno divino de amar assim e ele acabou antes do fim, por alguma razão ou por falta delas, sabe que existir será apenas um despedir sem fim. A sensação sempre, de que falta algo, que inquieta. O retorno e o terno. Quem te encontrar depois, ao contrário da apologia dos tribalistas, saberá que se pode ser só de um, mesmo estando em outro alguém, e te lerá, para si, apenas como a dor do achado tardio.


Porque, como diz Adélia Prado, "o que a memória ama, fica eterno".



(César Oliveira)


Achei esse texto no blog da Cacau, amiga da . Resolvi publicá-lo também não só por achá-lo interessante, mas porque essa história de pessoas que acabam sendo refências na vida têm aparecido com certa frequência no meu caminho nas últimas semanas.

Eu não costumo falar disso aqui, mas tenho os meus problemas devidos a um "referencial" mal resolvido na minha vida. E a Sil, que fez faculdade comigo também tem os dela. Foi ela quem primeiro me falou disso. Nós discutimos muito as terapias de cada uma no nosso grupinho da faculdade e ela, que começou a ir a uma terapeuta nova comentou que a mulher disse que uma certa pessoa persiste nas nossas cabeças por ter se tornado um referencial. Que por mais que você se envolva com outras pessoas, se e/ou quando acabar, você volta a pensar na referência. Isso até tem um nome (não é obssessão, é mais auto-flagelo), mas a Sil não lembra e acontece até que outra pessoa te marque da mesma maneira.

Quase todas as pessoas com quem eu comentei isso já se sentiram assim. Não sou nenhum tipo de guru, então não tenho nenhuma recomendação a esse respeito, só achei interessante o assunto chegar até a minha pessoa várias vezes por caminhos diferentes. Tudo que eu posso dizer é que, sendo ou não o caso de alguém que passe por aqui, a única coisa que se pode fazer é dar-se a chance de sair dessa.

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